Wicca e Ecoespiritualidades para outro pensamento político.

By ANAM CARA - 11:36




Em nossos círculos, contemplamos o fogo sagrado pedindo transformação para nós e para o mundo. Inevitavelmente, nos perguntamos o que uma espiritualidade que vê a divindade na Natureza tem a contribuir para a nossa sociedade, tanto no que diz respeito ao modo como vemos nosso planeta, como a nós mesmos. Nos indagamos repetidas vezes: é da natureza humana servir a um modo de produção que oprime de forma sistemática? É o destino dos recursos naturais servir de forma indeterminada ao ímpeto de consumo humano?
Pensar um mundo em que a humanidade volte a se sentir parte do planeta e não regente deste, nos permite ir além e vislumbrar uma realidade completamente distante de nossa condição atual, em que pessoas e recursos naturais parecem estar como objetos em uma gôndola de supermercado. Isto porque, dentro de nossa concepção panteísta, cultivamos a crença de que absolutamente tudo e todos compõem o corpo de uma divindade abrangente e imanente, que o Universo é esta própria divindade, sendo assim, não acreditamos em um Deus que nos transcenda em num plano diferenciado ou superior  e que governa a natureza. Acreditamos que a divindade é a própria natureza. Sendo assim, não há ser que não mereça o mesmo respeito, sendo tudo o que existe uma expressão sagrada desta inteireza.

Nisto, derrubam-se também grandes valores universais, tanto do ponto de vista moral como estético: "bem" e "mal", "bonito" e "feio", "evoluído" e "não evoluído", "positivo" e "negativo" e assim por diante. Já que tais valores são construídos a partir de uma concepção de que há coisas exteriores a nós, onde projetamos nossas sombras e temores, nossos "demônios". Quando abandonamos isto, nossas perspectivas deixam de assumir uma narrativa linear para tornarem-se cíclicas. Vida, morte e renascimento, tudo assume uma função neste grande organismo.


Por outro lado, vivemos a regência do masculino sobre o feminino, do rico sobre o pobre, do branco sobre o negro, do dominante sobre o minoritário. A diversidade não é celebrada, mas sim a união entre os iguais o que enrijece cada vez mais as estruturas e fortalece a manutenção de privilégios por parte da classe burguesa. Estas pessoas do topo da pirâmide, atuam como modelos utópicos desta sociedade de consumo, inalcançáveis para todo e qualquer indivíduo comum. Além das condições limitantes que nos propomos para estar dentro dos modelos estabelecidos e papéis de gênero, nos culpamos de várias formas por não alcançarmos estes lugares de poder. Nunca estivemos tão doentes e divorciados da natureza.

Tendo isto em vista, é chegada a hora de nos libertarmos da dominação e normatização mental que nos intoxica em vários níveis e que não nos permite viver de forma plena. Cabe a nós lutar por igualdade de direitos e igualdade de oportunidades. Não há sentido para uma pessoa que vê o o divino na natureza, colaborar com a narrativa de alas políticas essencialmente neoliberais, direitistas e conservadoras que, nada mais fazem do que representar os interesses das elites rurais e empresariais. As pessoas devem vir primeiro que os interesses econômicos, merecemos um estado que nos defenda e não que institucionalize a exploração. Toda bruxa e bruxo, como representante de uma contracultura de liberdade e empoderamento é convidado a perceber-se também como um agente anti-capitalista, pois este modelo econômico é o epicentro de todas as violações e desigualdades. Para que existam ricos é necessário que exista miséria, bem como a destruição dos ecossistemas. Isto está na contramão de uma ideia de vida digna e harmoniosa, do ponto de vista universal.




"Por toda a história, a bruxaria parece ter sido a religião dos desapropriados e dos fora-da-lei: os servos oprimidos da Europa medieval, cuja infelicidade e mágoa estão descritos em 'Aradia' as pessoas que fugiram antes da espada da conquista do Islã; os ciganos que rezavam para a Lua e para os espíritos das correntezas e das florestas, o Nivashi e o Puvushi e, antes disso, o povo escuro e aborígene dessas ilhas (povos autóctones das ilhas britânicas), que estiveram aqui antes dos Celtas, e os sacerdotes e sacerdotisas dos mistérios pagãos, cujos templos foram fechados e cujos ritos proibidos pela Igreja cristã antiga.

Pelo fato de a bruxaria ser antiga, suas origens são complexas; contudo, sua verdadeira essência é simples - devoção à natureza, à Grande Mãe, e o olhar para dentro da natureza em busca de magia."


Neste trecho do capítulo "CIGANOS E A BRUXARIA" do livro Enciclopédia da Bruxaria de Doreen Valiente, fica nítido como a magia sempre esteve ligada à minorias étnicas e religiosas subjugadas pela espada de religiões e pensamentos dominantes, higienistas e patriarcais. Isto para nós, deve ser encarado como um chamado para um olhar além e para uma outra atitude com a vida e com o outro. 

A ausência do pensamento e o conhecimento paranóico, são conceitos chave para entender a retomada do conservadorismo e do fascismo em pleno século XXI. Um filho desperto da Terra tem o dever de pensar profundo e não compactuar com tais falácias. Nós dançamos a dança da vida, fluímos com o ritmo de transformação do universo, somos criatividade, arte, liberdade, desprendimento e amor por tudo o que existe, não fomos feitos para uma vida rígida e centrada em valores limitantes. Nós viemos para despertar e liberar o pulsar de uma nova consciência. Viemos inclusive, para pensar e sonhar novos sistemas que estejam cada vez mais livres da opressão. Assim, nos dedicaremos de fato ao que nos faz feliz e grandiosos, ao que temos de talento, a aprender, a construir, a conviver e nos retirarmos do isolamento.


"Ki shan i Romani,
Adoi san'i chov'hani"


"Aonde quer que os Romanis vão, lá as bruxas serão encontradas" 
Provérbio Cigano.



Por Filipe Almeida






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